Milunka Savić: A Heroína Esquecida
A saga da heroína sérvia Milunka Savić não foi nada fácil, se fingiu de homem para lutar a guerra no lugar do seu irmão. Participou da Guerra dos Balcãs e da Primeira Guerra Mundial, onde se consagrou como a combatente do sexo feminino mais condecorada da história. Na Segunda Guerra Mundial foi presa e enviada para um campo de concentração nazista e terminou a vida na Sérvia, onde vivia em condições econômicas bastante precárias.
Milunka Savić nasceu em 24 de junho de 1890, na vila de Koprivnica na Sérvia. Não há muitas informações sobre a sua vida até 1912 quando seu irmão, ainda menor de idade, foi convocado para a Primeira Guerra dos Balcãs.
Determinada a não permitir que o seu jovem irmão sofresse as consequências de uma guerra, Milunka cortou os cabelos, vestiu roupas masculinas e assumiu a identidade do irmão, juntando-se ao exército Sérvio.
Atuação de Milunka Savić na Guerra dos Balcãs e na Primeira Guerra Mundial
A obstinada combatente conseguiu enganar seus pares e logo entrou em combate contra os búlgaros na Batalha de Bregalnica. Na primeira batalha ela já experimentou o sucesso e a tragédia, sendo ferida em combate e recebendo, logo após, sua primeira condecoração por bravura.
Milunka Savić participou, de forma bem sucedida, de nove missões sem ter sua verdadeira identidade revelada. Contudo, em sua 10º missão de combate ela sofreu um ferimento mais grave ao ser atingida por estilhaços no peito e teve que ser levada ao hospital, onde os médicos, incrédulos, constataram que era uma mulher.
Ao ser avisado, o Comandante de Milunka se viu dividido entre punir ou não a jovem. Pela sua bravura e valor em combate, o comandante resolveu anistiar a heroína sérvia e ofereceu uma transferência para a divisão de enfermagem. Milunka Savić recusou a oferta e solicitou que fosse posta de volta em combate. Segundo rumores, o comandante disse que iria pensar e que daria uma resposta no dia seguinte. A obstinada combatente se manteve imóvel, afirmando que esperaria pela resposta ali mesmo, em posição de sentido. Passada cerca de uma hora, Milunka permanecia imóvel, levando o comandante a enviar a jovem de volta para a frente de batalha.
Os próximos anos foram intensos para a Sérvia e para Milunka já que logo após o fim da Guerra dos Balcãs eclodiu a Primeira Guerra Mundial, onde a heroína sérvia escreveu seu nome na história.
Em dezembro de 1914, ela participou da terrível Batalha de Kolubara, onde o exército sérvio logrou a vitória perante às forças do Império austro-húngaro, contudo Milunka foi ferida com estilhaços de metralhadora, ocasião em que ela recebeu a Ordem da Estrela de Karadjordje, a mais alta condecoração civil e militar outorgada pelo Reino da Sérvia.
Apesar de muitos episódios onde o exército sérvio logrou conquistas importantes perante o Império Austro-Húngaro, a situação na frente de combate era bastante delicada para os sérvios. A intensificação dos ataques forçou os soldados sérvios a recuarem e prestarem auxílio aos civis, evacuando milhares pelas montanhas nevadas atravessando Montenegro, Kosovo e Albânia até chegarem aos barcos britânicos e franceses que evacuariam todos para a ilha de Corfu. Esta peregrinação custou a Milunka 7 ferimentos em combate.
Após recuperada dos ferimentos Milunka e o exército sérvio se reagruparam e se juntaram ao exército francês para seguir o combate. A fama da heroína só crescia entre as tropas de todos os países aliados a Sérvia e as honrarias militares se acumulavam na mesma proporção, duas da Legião de Honra de França, uma Ordem imperial e militar de São Jorge russa, uma Ordem de São Miguel e São Jorge britânica e a Cruz de Guerra Francesa (a única concedida a uma mulher).
Milunka Savić ficou famosa entre seus colegas por ter uma intuição e um timing muito preciso do momento certo de atacar. Esta capacidade pode ser constatada em 1916, na Batalha de Crna na frente macedônica da guerra, onde Milunka conseguiu emboscar e capturar, sozinha, 23 soldados búlgaros. O feito lhe rendeu a Ordem da Estrela de Karadjordje pela segunda vez.
A grande habilidade de Milunka Savić em combate permitiu que a heroína sérvia sobrevivesse a duas guerras, a Guerra dos Balcãs e a Primeira Guerra Mundial, porém o calvário da guerreira não havia terminado.
A vida de Milunka Savić após a Primeira Guerra Mundial
Terminada a Primeira Guerra Mundial em 1918, o Governo Francês que lutou do mesmo lado da Sérvia ofereceu uma residência na França e uma pensão que foi rejeitada por Milunka, que optou por permanecer na sua amada Sérvia.
Ela se apaixonou por um banqueiro, porém o relacionamento não durou muito tempo e os dois se separaram após o nascimento da filha do casal, Milena. Milunka Savić resolveu adotar 3 crianças órfãs da guerra e dedicar boa parte do seu tempo e de seus recursos em trabalhos assistenciais em uma escola.
No período entre guerras, ela foi completamente esquecida, sobrevivendo com dificuldades em trabalhos braçais.
Em 1939 outra guerra cruzou o caminho de Milunka Savić, desta vez o III Reich de Hitler tomava a Europa de assalto e iniciava a Segunda Guerra Mundial.
Leia mais sobre a Segunda Guerra Mundial
Embora Milunka não tivesse mais condições de pegar em armas, ela não se absteve totalmente. Organizou uma enfermaria para atender os combatentes. Ela também se recusou a participar de um banquete oferecido pelo General Sérvio e político Milan Nedić, onde estariam presentes diversos oficiais alemães.
A postura de Milunka não agradou os alemães que a capturaram e enviaram para o campo de concentração de Banjika, administrado pela SS Nazista, localizado nas imediações de Belgrado, onde foi surrada e mantida prisioneira por 10 meses.
Incrivelmente a heroína sobreviveu a vida no campo de concentração de Banjika e a Segunda Guerra Mundial, voltando a viver na cidade sérvia de Voždovac, onde enfrentou o esquecimento e uma vida de extrema pobreza.
Somente em 1972, em uma celebração onde Milunka ostentou no peito uma enorme quantidade de condecorações militares é que que o Governo Sérvio, após pressão da opinião pública e de ex-combatentes, lembrou da existência da heroína da nação, oferecendo a ela um apartamento.
Milunka não teve muito tempo para usufruir do “benefício” oferecido pelo Governo Sérvio, já que faleceu menos de um ano após ter se mudado para o imóvel.
O reconhecimento dos feitos heroicos de Milunka Savić
Ela foi, simplesmente, a mulher mais condecorada da história militar, recebendo 2 vezes a medalha francesa da Ordem Nacional da Legião de Honra. Também recebeu condecoração russa, com a Cruz de São Jorge e a britânica Distintíssima Ordem de São Miguel e São Jorge.
A sérvia, por sua vez, concedeu a Medalha de Bravura Miloš Obilić e a Ordem da Estrela de Karadjordje por duas vezes, sendo esta a mais alta condecoração civil e militar outorgada pelo Reino da Sérvia.
Ela foi a única mulher a receber a condecoração francesa Croix de Guerre de Ouro 1914–1918 pela atuação na Primeira Guerra Mundial.
A banda sueca Sabaton criou uma música em sua homenagem, chamada de Lady of the Dark (senhora da escuridão)
Também há diversas estátuas dedicadas a heroína sérvia da Primeira Guerra Mundial.
Em 2020, o governo sérvio inaugurou um memorial com uma exposição permanente sobre a mulher que protagonizou momentos heroicos e impactou a história da Sérvia e das mulheres de forma global, especialmente no âmbito militar.