Holodomor – o genocídio ucraniano
Holodomor deriva da junção da palavra “holod” – fome e “mor” de praga/morte, e culturalmente ficou conhecido para descrever os eventos ocorridos no período de 1932-1933 – uma grande fome que assolou o país e deixou um rastro de sofrimento, dor e morte.
Estima-se que o Holodomor tenha vitimado entre 3,3 e 7,6 milhões de pessoas. Porém, há estimativas mais perturbadoras, onde o número teria sido de 14 milhões de mortes.
O gráfico abaixo apresenta o número de mortos mais recorrente nos registros sobre o Holodomor:
É importante destacar que não há uma precisão científica nestes registros, sendo impossível contabilizar com exatidão o número de mortos. Em eventos deste tipo, ao contrário do que muitos pensam, não é feito uma contagem de corpos. Para apurar o número de baixas, é necessário fazer uma análise populacional anterior e posterior ao evento histórico. No caso do Holodomor, há dificuldades ainda mais desafiadoras:
– Não há transparência nos documentos soviéticos da época;
– Houve uma epidemia de Tifo no mesmo período, sendo impossível determinar quem morreu de
Tifo e quem morreu por conta do Holodomor;
– Muitos ucranianos foram levados para campos de trabalho forçado – Gulags;
Porém, independentemente do número exato, seja 3,3 ou 7,6 milhões, a tragédia possui proporções colossais.
Mas como segundo maior país da Europa, possuidor de vastas e férteis terras e que é conhecido como celeiro da Europa pode perecer,
justamente, de fome? O responsável pelo holocausto ucraniano tem nome, sobrenome e filiação política – Josef Stalin, líder da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ou simplesmente, União Soviética.
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A Ucrânia integrava a União Soviética desde 1922, porém, foi a partir de 1929 que a tragédia que estava por vir, começou a tomar forma, com a implementação da política de coletivização das propriedades rurais.
Coletivização da agricultura e a deskulakização (“Grande Viragem”)
No ano de 1928, Josef Stalin, iniciou um grande projeto para a União Soviética, onde almejava iniciar uma forte industrialização do país. O plano proposto pelo partido comunista soviético foi denominado de Primeiro Plano Quinquenal.
A implementação do plano se iniciou com o estabelecimento de cotas da produção que deveriam ser entregues ao regime comunista. Porém, houve uma desestabilização abrupta da agricultura ucraniana, eis que a produção era, em média, distribuída da seguinte forma:
– 25% era destinada a alimentação dos animais;
– 15% era reservada para o próximo plantio;
– 60% era utilizada para a subsistência.
Em 1930 o regime soviético estabeleceu que a cota a ser entregue ao Governo era de 30%, afetando drasticamente a distribuição da colheita, fazendo os ucranianos serem obrigados a optar o que sacrificariam mais, a cota dos animais, do próximo plantio ou da sua própria subsistência.
Um dos pilares do plano stalinista era implementar, a força, a política de coletivização das propriedades rurais dos ucranianos, estatizando propriedades privadas. Ou seja, os antigos proprietários das terras eram roubados pelo Estado, sendo despojados de suas propriedades que agora seriam geridas pela mão estatal.
Os donos de propriedades rurais na Ucrânia eram denominados Kulaks. Embora muitos tentem passar a ideia de que os kulaks eram ricos e pertenciam a uma camada rica e privilegiada da população, a verdade é que eram pequenos produtores rurais, algo muito parecido com o que chamamos de agricultara familiar no Brasil.
Muitos Kulaks, com razão, foram se revoltando contra o expurgo das suas propriedades e começaram a sabotar os planos soviéticos. Nesta época, diversos animais foram mortos e sementes foram queimadas, o que ajudou a debilitar a situação da Ucrânia nos anos vindouros.
A chegada da fome
Desde a implementação da política de coletivização das propriedades rurais a agricultura ucraniana começou a sofrer com reduções de produtividade, já que agora, a maior parte das propriedades rurais eram estatais.
A Ucrânia já tinha um histórico de resistir aos desmandos do partido comunista, tendo tentado a sua independência em uma guerra civil que se estendeu de 1917 a 1921. Desta vez não seria diferente, muitos ucranianos, em especial os kulaks, se rebelaram contra coletivização forçada e roubo estatal.
A desestabilização da agricultura aliada as sabotagens ao sistema por parte dos kulaks e o regime de cotas trouxeram uma enorme insatisfação e revolta do povo ucraniano.
A União Soviética estava perdendo o controle sobre a população ucraniana, chegando ao ponto de haver uma troca de correspondência entre Stalin e seu associado, Kaganovich dizendo:
“A situação na Ucrânia está muito mal se não agirmos agora, nós podemos perdê-la.”
O plano para conter a rebelião ucraniana não poderia ser mais trágico, com Stalin ordenando diversas medidas para controlar a população ucraniana:
– Aumento da cota ucraniana para 73% da produção;
– Confiscou todos os grãos que a população ucraniana escondia em casa;
– Instituiu o propiska, uma espécie de passaporte interno que impedia a livre circulação dos ucranianos.
Stalin promulgou uma lei que ficou conhecida como lei da espiga – se um camponês for pego roubando grãos, ele poderia pegar 10 anos de prisão em um campo de trabalho forçado – conhecidos como gulags ou poderia ser executado no ato.
O desespero era tão brutal, que na busca desesperada por alimentos, muitos tentavam invadir as fazendas controladas pelo partido comunista, mesmo sabendo que se fossem pegos pelos agentes da NKVD, seriam mortos.
Porém a maioria agonizava e morria lentamente em suas casas, onde oficiais da NKVD entravam frequentemente para recolher os corpos. A recompensa para os agentes da NKVD era de 200g de pão por cada corpo recolhido. Na ânsia por receber suas cotas, muitos agentes recolhiam moribundos ainda vivos de suas casas e os enterravam vivos.
O desespero sem fim tomou proporções inimagináveis, com relatos de canibalismo chegando de várias partes.
O holocausto ucraniano não era segredo, diversos consulados reportavam a tragédia em andamento e muitos jornais publicavam o horror.
Enquanto o extermínio ocorria diante dos olhos do mundo, ninguém fez nada, a não ser oferecer ajuda na forma de doação de alimentos, o que foi negado pelas autoridades soviéticas.
O mais irônico é que as exportações de grãos da Ucrânia subiram de forma aterradora. Enquanto a população morria de fome, o regime comunista exportava seus alimentos, dando um ar de perversidade inimaginável.
O “Mito” do Holodomor
É preciso mencionar que, assim como há pessoas que negam o holocausto, também existe grupos que negam o holodomor e falam pejorativamente em “tese do holodomor” ou “o mito do holodomor”.
Mas afinal, o que estas pessoas alegam para negar o genocídio ucraniano?
Eles dizem que houve sim uma grande fome na ukrania em 1932 e 1933, porém esta fome teria causas naturais, com um inverno particularmente rigoroso tendo acabado com as safras. Também alegam que os kulaks é que causaram a fome, já que eles mataram animais a sabotaram o sistema de coletivização forçada.
Como contraponto aos negacionistas, fazemos os seguintes questionamentos:
Vamos admitir que a culpa da escassez de alimentos seja culpa do tempo. Por que as exportações de grãos oriundos da Ucrânia bateram recorde? Por que foi implementado o sistema de passaporte interno impedindo os ucranianos de fugirem para outras regiões? Por que não aceitaram doações de alimentos?
Em relação aos kulaks, certamente a resistência contribuiu para agravar o problema, porém pode-se esperar reação diversa? Quem assistiria o estado roubar suas
propriedades de forma passiva?
Dizer que os kulaks são responsáveis é o mesmo que colocar a culpa na vítima.
Reconhecimento do Holodomor
Hoje o Holodomor é reconhecido pela Organização das Nações Unidas – ONU, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, pelo Parlamento Europeu e por diversos países, dentre eles, o Brasil.
As crianças ucranianas aprendem sobre o holodomor nas escolas. Em kiev há um grande museu para mostrar os horrores ocorridos naquela triste época.
No canadá há também um museu itinirante do holodomor para mostrar aos jovens o que ocorreu com o povo ucraniano.
Também há diversos monumentos espalhados pela ucrânia em homenagem as vítimas do holodomor.