Peste Negra – uma das epidemias mais mortais da história
Poucos eventos na história foram capazes de mudar o curso da humanidade. Sem dúvidas a Peste Negra é um destes raros eventos. Estima-se que tenha matado cerca de um terço da população mundial, com alguns chegando a falar em 50 ou até mesmo, 60 por cento da população.
A origem da Peste
Os historiadores concordam que a pandemia se originou na Ásia.
Embora haja dúvidas se o surgimento ocorreu na Mongólia, na China ou na índia, a grande maioria das referências apontam para a China, onde já se tinham focos de peste desde 1320.
Embora naquela época não houvesse meios de comunicação como temos hoje, já ouviam-se relatos sobre uma praga que estava devastando o oriente muitos anos antes da peste aportar na Europa
Na época, a china era dominada pelo império mongol que detinha o controle de vastas extensões do mundo antigo e foi o maior império em área contígua da história
O império mongol, após a morte de Gengis Khan, entrou em guerra pela sucessão, resultando na divisão do império em 4 grandes kanatos, sendo que o Kanato da Golden Horde, ou Horda Dourada, era vizinho dos povos europeus e exercia seu poder sobre a Criméia.
Os mongóis eram famosos por suas conquistas e pela violência dos seus exércitos, porém eram um povo que incentivava o comércio entre a Ásia e a Europa.
Os Mongóis dominavam praticamente todos os caminhos da famosa Rota das Sedas, que conectava o comércio entre a Ásia e a Europa.
Por volta de 1345, o líder da Horda Dourada Iamebag – avançou com seu exército sobre a Criméia, objetivando conquistar um importante entreposto comercial – a cidade genovesa de Kaffa.
A cidade era bastante cosmopolita. abrigava uma população de cerca de 80 mil pessoas e tinha um grande porto comercial que abrigava até 200 embarcações.
Embora muito bem protegida por suas muralhas, a cidade não tinha chances de resistir ao cerco mongol – evento que ficou conhecido como Cerco a Kaffa.
Com o passar do tempo, o inesperado aconteceu os soldados mongóis começaram a perecer vitimados pela peste negra que se espalhava entre as suas tropas.
Tal evento foi documentado por Gabriele De’ Mussi em 1348, que narrou um cenário aterrador:
“o exército inteiro foi afetado pela doença, matando milhares e milhares todos os dias. Era como se flechas estivessem caindo dos céus para esmagar a arrogância dos tártaros”
Ao perceber que a derrota era inevitável, o líder da horda dourada ordenou que os cadáveres e os restos mortais dos soldados mongóis fossem catapultados para dentro da cidade de Kaffa De’ Mussi narra:
“Os tártaros moribundos, atordoados e estupefatos com a imensidão do desastre provocado pela doença, e percebendo que não tinham esperança de escapar, perderam o interesse no cerco.
Mas eles ordenaram que os cadáveres fossem colocados em catapultas e arremessados na cidade na esperança de que o fedor intolerável matasse todos lá dentro. Montanhas de mortos foram jogadas na cidade, e os cristãos não puderam se esconder, fugir ou escapar”.
Historiadores afirmam que este evento, caso tenha ocorrido como narrado por De’ Mussi, inaugurou a guerra biológica na história.
Com a partida dos mongóis os comerciantes genoveses infectados pela praga saíram de kaffa e começaram a aportar em diversas cidades europeias, levando com eles, um inimigo silencioso, a peste.
Por volta do ano de 1347, 12 navios aportaram na cidade de Messina, na sicilia e para surpresa da população local, a maioria dos marinheiros estavam mortos.
Aqueles que ainda estavam vivos, estavam moribundos, à beira da morte, com seus corpos repletos de bolhas pretas. As pessoas assustadas, tentaram banir os navios pestilentos, mas já era tarde, a peste começou a se espalhar pela Europa de forma assustadora.
Posteriormente, esses navios receberam a alcunha de navios da morte, já que eles aportavam repletos de cadáveres e doentes
A origem da quarentena surgiu nesta época, em Veneza, onde os navios eram obrigados a ficar 40 dias ancorados antes de desembarcar seus marinheiros.
O causador da peste negra
O vilão invisível era uma bactéria, a yersina pestis, descoberta muito tempo depois, pelo bacteriologista francês, de origem suíça – Alexandre Yersin em 1894.
O vetor de transmissão da doença, ficou historicamente associado aos ratos. As pulgas que viviam nos roedores se infectavam e transmitiam a peste para os humanos.
Contudo, uma parcela do meio acadêmico sempre contestou a tese dos ratos.
Embora as cidades europeias fossem sujas e infestadas de roedores, a velocidade de propagação da epidemia não seria condizendo com a tese dos ratos. Em 2018, uma equipe das universidades de Oslo, na Noruega, e Ferrara, na Itália, dizem que o surto pode ser atribuído a pulgas e piolhos humanos”.
Nils Stenseth – diretor do Centro de Síntese Ecológica e Evolucionária da Universidade de Oslo. Afirma que a
A conclusão foi muito clara, o modelo dos piolhos se encaixa melhor.” […] Seria improvável que (a doença) tivesse se espalhado tão rápido com a transmissão por ratos
Independentemente de qual modelo de propagação esteja correto, fato é que a Peste avançou de forma rápida e agressiva por toda a Europa.
O caos causado pela peste
A mortalidade da doença assustou as pessoas que abandonavam a própria sorte filhos, pais, mães e qualquer amigo ou parente que estivesse doente. Ninguém queria aproximar-se dos infectados, estando eles vivos ou mortos.
Padres negavam-se a fornecer a extrema unção aos moribundos vítimas da peste.
Reis e nobres abandonavam as cidades e se refugiavam em castelos afastados no interior.
O rei inglês Eduardo III, retirou-se para um castelo distante dos infectados, Contudo a filha de Eduardo III, Joana não teve a mesma sorte. A jovem estava viajando para a Espanha para o seu casamento com o príncipe Pedro de Castela, mas nunca chegou ao seu destino, tendo morrido, vítima da peste em 1348, na cidade de Baiona.
O Papa Clemente VI, que na época vivia no palácio dos papas em Avignon, embora tenha resistido a abandonar o palácio inicialmente, acabou mudando de ideia e também se refugiou.
A igreja, o Estado e até mesmo a medicina da época, não sabiam como lidar com a doença e atribuíam aquela desgraça a vontade de deus.
Isto contribuiu para a popularização de um grupo de fanáticos – Os flagelantes, homens que acreditavam que ao se acoitarem, imitando a sangrenta paixão de cristo, teriam seus pecados expurgados e suas vidas poupadas.
O movimento surgiu na Itália, em 1260, muito antes da grande pandemia de peste, porém os flagelantes surgiam e ressurgiam em períodos conturbados, como os da Peste Negra.
Desta vez, o grupo ganhou um enorme número de seguidores na Alemanha.
Os flagelantes se tornaram populares e eram recebidos por grandes multidões que acreditavam que eles eram capazes de afastar a praga.
Tais eventos, desagradavam fortemente o Papa Clemente VI, que via a sua autoridade desmoronar.
O discurso messiânico e apocalíptico tomava conta da Europa e como sempre, alguém teria que ser responsabilizado.
Os alvos eleitos foram os imorais que ofendiam a vontade de deus: jogadores, prostitutas e principalmente, os judeus, que na visão dos cristãos da idade média, seriam os maiores ofensores de deus.
Judeus eram perseguidos e interrogados sob a acusação de terem envenenado o ar e as águas. Após longas sessões de torturas e sem alternativa, muitos judeus confessavam os crimes imaginários.
Diante das confissões, o mundo se colocou contra os judeus e um banho de sangue se irrompeu. Milhares de Judeus foram assassinados pela horda cristã que os elegeram como os responsáveis pela peste.
Em 1349, na cidade de Estrasburgo, 2 mil judeus foram capturados e queimados vivos.
O Papa Clemente VI declarou que não fazia sentido os judeus serem os responsáveis pela Peste, já que eles também eram vítimas da doença.
Apesar do pronunciamento de Clemente VI, e o fim dos famigerados Flagelantes, que foram declarados hereges e sentenciados a morte, a hostilidade contra os judeus não tinha fim, e aqueles que sobreviviam ao flagelo da peste e aos horrores da perseguição, buscavam refúgio nas regiões onde o governante local garantia sua segurança.
Em 3149 muitos destes judeus foram para a Polônia, na época dominada pelo rei Casemiro, o grande, que era apaixonado por uma Judia chamada Esterka, e que segundo as lendas, teria convencido o rei a receber os judeus.
Nesta época a Pandemia começou a migrar rumo aos países nórdicos e a Rússia.
Como todas as epidemias, a Peste Negra também tinha um ciclo, que estava se acabando, pelo menos, no coração da Europa.
O número de mortos deixado pela Peste é um mistério. Existe muita divergência entre os estudiosos. Enquanto muitos afirmam que a Peste matou entre 25 a 30% da população, outros afirmam que este número é muito subestimado, e que os números podem chegar a 50 ou 60% da população.
Na época, o mundo contava com cerca de 500 milhões de pessoas. Então podemos falar que o número de mortos ficou entre 100 e 310 milhões de mortos.
Porém, há consenso em afirmar que a mortalidade nas classes mais baixas era muito superior aos números da nobreza, pelo simples fato de que eles podiam se mudar e se isolar em suas propriedades afastadas dos epicentros da Peste.
Curiosamente, hoje quando pensamos na Peste Negra, logo associamos a imagem dos chamados médicos da peste, que na verdade eram funcionários das cidades e grande parte sequer eram médicos.
Porém, estas roupas que povoam o imaginário popular, só surgiram séculos depois da Grande Epidemia de Peste Negra da idade média, tendo seu uso se popularizado, apenas nas epidemias de Peste do século XVII.
Vale lembrar que o mundo sofreu com diversas epidemias de peste, anteriores (como a Praga de Justiniano, séculos antes da Grande Pandemia de Peste do século XIV) e posteriormente houve outros surtos que se estenderam até o século XIX
Atualmente, a peste ainda existe, embora com uma mortalidade muito inferior ao passado, graças a medicina que avançou muito, com a criação de antibióticos e outros medicamentos.
Apesar da tragédia que envolveu a morte de pelo menos um terço da população da idade média, durante a grande pandemia do século XIV, a Peste forneceu importantes alicerces para a construção do mundo moderno, dando início a renascença.